Em Rumores, Heleno Bernardi carimba palavras criando formas geométricas, em um gesto contínuo, que parece não ter fim. Entre o vocábulo e o acúmulo da cor, surge dos trabalhos uma gramática completamente nova: um hiato que abarca o ver e o ouvir, amplificado pela voltagem eletrizante do vermelho. Bernardi insere gritos e sussurros ao ruído do mundo, ecoando de pinturas e geometrias ancestrais às nuvens de tags do vórtice linguístico contemporâneo.
FEVEREIRO 2023
Curadoria: Daniela Name
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Heleno Bernardi
Tempo II, 2021
Carimbo sobre papel
59.40 x 42 cm
Heleno Bernardi
Corpo II, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 29.70 cm
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Heleno Bernardi
Acaso, 2021
Carimbo sobre papel
59.40 x 38 cm
Heleno Bernardi
Horizonte, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 29.70 cm
Ao girar um polígono sobre a superfície de papel ou tecido, preenchendo-a com uma mesma palavra, carimbada inúmeras vezes, em um movimento por vezes frenético e incessante, Heleno Bernardi obtém superfícies monocromáticas carregadas de cor, que dissolvem, pela repetição, o significado que as palavras carregam. Ao trançar na superfície do trabalho, da fricção entre meio e mensagem, os vocábulos ecoam novas associações, de alta potência imagética e discursiva.
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É preciso falar do vermelho, a cor que chega na frente em Rumores, de Heleno Bernardi. O primeiro tom da história da arte tingiu as paredes das cavernas e se metamorfoseou em fogo e sangue nas muitas odisseias da imagem: a chama das bandeiras, das guerras e revoluções, o rio que corre nas paixões arrebatadoras, no manto das princesas, nas cortinas do drama, nos tapetes da fama. Suas marcas são como som ao redor incapaz de ser abafado, murmúrio que se faz audível e acrescenta novas camadas de sentido e memória às definições correntes de cada vocábulo.
— Daniela Name, curadora
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Heleno Bernardi
Iminência, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 59.40 cm
Heleno Bernardi
Cagaço, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 59.40 cm
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Muitos artistas já usaram carimbos ao longo da história. E embora cada um tenha suas próprias características, tem um aspecto comum, que é inerente aos carimbos, que são as falhas, as manchas, os borrões. Estes resultados visuais costumam ser muito sedutores, mas eu me coloco com uma certa recusa a esta estética. O meu registro pessoal é a saturação e a sobreposição para a criação de uma densidade a partir da palavra, até que ela desapareça.
— Heleno Bernardi
MAKING OF | Elaborada durante o período pandêmico, Rumores atendeu às necessidades de Bernardi naquele momento: “um trabalho solitário, manual, confinado ao ateliê e que não depende de outros materiais e nem de fornecedores”, diz.
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Heleno Bernardi
Abismo , 2021
Carimbo sobre papel
55 x 42 cm
Heleno Bernardi
Avalanche, 2021
Carimbo sobre papel
59.40 x 42 cm
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Heleno Bernardi
Sopro, 2021
Carimbo sobre papel
40 x 30 cm
Heleno Bernardi
Matéria I, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 29.70 cm
Heleno Bernardi
Cultura I, 2021
Carimbo sobre papel
42 x 29.70 cm
AGIT PROP | Em Rumores, Bernardi conversa com amplas vertentes da arte moderna e contemporânea. O modernismo heróico, do quadrado vermelho de Malevich ao serialismo geométrico de Mondrian, ecoa em obras-estandarte como Insurgir, Reparar e Refundar — ícones que tremulam, ecoando o chamado à ação do agit prop, reforçando a natureza política da palavra e da imagem.
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Heleno Bernardi
Insurgir, 2022
Carimbo com tinta acrílica sobre tecido de algodão
210 x 140 cm
Heleno Bernardi
Reparar, 2022
Carimbo com tinta acrílica sobre tecido de algodão
210 x 140 cm
Heleno Bernardi
Refundar, 2022
Carimbo com tinta acrílica sobre tecido de algodão
210 x 140 cm
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ASSISTA | Heleno Bernardi e a curadora Daniela Name falam sobre as ideias e as condições de produção de Rumores: origem, fundamentos e o processo das obras, com registros no ateliê do artista, no Rio de Janeiro.
Autênticos rumores emergem das bordas de trabalhos como Atlântico — “mar vermelho, túmulo de vidas, estrada de saques, perdas”, define Daniela Name, que enxerga na obra uma síntese para a violência existente em todas as línguas: quando um idioma se aglutina, é porque assassinou muitos outros. “Como na língua, frequentemente os trabalhos de Bernardi trazem refugos do que foi sendo preenchido pela tinta vermelha – fantasmas das palavras adormecidas, ecos de outros falares”.
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Heleno Bernardi
NINHO OVO BICHO (tributo neoconcreto), 2022
Carimbo com tinta acrílica sobre tecido de algodão
64 x 48 cm
Há vestígios da história da arte em todo o projeto de Heleno Bernardi. No múltiplo Ninho, Ovo, Bicho, a obra-estandarte estabelece diálogo direto com a herança neoconcreta de Hélio Oiticica, Lygia Pape e Lygia Clark. Antes, ainda, encontramos referências à geometria ancestral e pintura do corpo dos povos originários e nações africanas que nos constituem.
Se em Apologia de Sócrates, um de seus trabalhos anteriores, o artista dissolveu a cabeça do filósofo – mãe de todas as cabeças desta invenção a que chamamos Ocidente – em espuma de sabão, agora ele cria lápide e horizonte para tudo o que pode ser gritado em vermelho e sussurrado insistente e repetidamente pelos carimbos, até que a multiplicação do gesto dissolva e reinvente sentidos.
— Daniela Name
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Heleno Bernardi
Sim, 2021
Carimbo sobre papel
29.70 x 42 cm
Heleno Bernardi, natural de Pouso Alegre (MG, 1967), e que vive e trabalha no Rio de Janeiro, faz parte de um grupo de artistas que ganhou visibilidade com a exposição Posição 2004 (Parque Lage, 2004, Rio de Janeiro), que celebrou “o fazer e o pensar caminhando juntos” — o que, no caso de Bernardi, expandiu-se posteriormente no que Paulo Sérgio Duarte chama de uma “poética da reflexão”. Ou seja: uma prática artística derivada de um pensamento que domina cada gesto, à luz de um extenso conhecimento da história da arte moderna e contemporânea. Bernardi contorna, porém, os riscos do conhecimento estéril e imobilizador.
+ maisOu seja, não se limita a meramente reproduzir caminhos já percorridos, por meio de um trabalho em trânsito, no qual o artista se lança em direção a diferentes linguagens e suportes, tendo a atitude de arte — ou, em outras palavras, o espírito — como fio condutor. Assim, seja em intervenções site-specific em lugares degradados (como o antigo casisno na Urca, no Rio de Janeiro), seja nas pinturas, algumas delas de dimensões não domésticas, que ilustram um outro aspecto relevante de sua arte, que é extrapolar o domínio do privado, Bernardi nos oferece algo além do “acontecimento de cores” e do visível. Reside aí, provavelmente, a força e a inegável originalidade do seu trabalho.