“No entanto, se move” – eppur si muove – é a frase polêmica com a qual Galileu Galilei renegou a visão heliocêntrica do mundo perante o tribunal de Inquisição. Quatro séculos depois, é também o título da nova série de imagens produzidas por Feco Hamburger, que a Janaina Torres Galeria mostrará com exclusividade na SP-Arte/Foto 2018, de 23 a 26 de agosto (stand B12). Herético, Feco desafia os limites da fotografia e da representação, criando universos paralelos construídos a partir de mecanismos de precisão, como ele diz. Refaz assim o imaginário do nosso tempo, desafiando o determinismo tecnológico que anuncia o Homo Deus. Conversamos com Feco Hamburger sobre o movimento do mundo – que, sim, ainda se move, no seu entender.
Por que Eppur si muove? O que “no entanto, se move”? A fotografia e a arte? Nosso entendimento sobre o universo?
Sim, certamente o movimento está no mundo e no nosso entendimento de mundo. Há um espaço/tempo elástico que me interessa muito, que é entre o desejo e matéria, entre o documento fotográfico e o sonho de mundo.
Há uma certa tridimensão incômoda em alguns dos novos trabalhos, com objetos inseridos na planície fotográfica, explicitando uma ruptura com componentes próprios da fotografia. O componente herético de Eppur si muove te seduziu?
Se heresia significa a abertura de uma brecha, de um campo de experiência, certamente me seduz. O objeto tridimensional nas obras recentes são provocações da métrica, dos modelos de previsibilidade, mas também tem um certo humor. Por exemplo, Em Hayabusa ou o Falcão Peregrino, o horizonte se faz primeiro plano, olhar para o zênite com a ilusão de um foco no infinito. A matéria dos elementos, a pedra, o deserto, imóvel, aponta também um derretimento, um tempo. Espremida pelas escarpas, a miniatura em aço inox abandona o plano e ganha a tridimensionalidade em companhia à imagem da via láctea. É um intruso muito bem vindo – em um mundo achatado.
Você – nova heresia – parece desafiar o componente racional do nosso tempo, o domínio científico em todas as áreas. É um ideal romântico, um desafio ao Homo Deus?
Há um espaço fundamental entre o controle do mundo e o deixar existir. Que tem relações com o limite desses modelos de previsibilidade, o tempo da experiência, o tempo da vida. O ideal romântico talvez seja uma curiosidade experimental acompanhada de um maravilhamento de mundo, mesmo que pareça paradoxal.
A fotografia deve ser das mais tecnológicas das artes. A relação do humano com o tecnológico é tema central dos seus trabalhos. Difícil não pensar num componente metalinguístico na sua obra…
Sim, sem dúvida há esse componente. A linguagem me interessa muito e o processo da formação, da difusão e da leitura da imagem fotográfica são parte desse mistério que é o entendimento de mundo.
O tempo é um componente essencial da imagem fotográfica, que é tecnológica. Mas o que é tecnologia afinal? É importante entender a tecnologia como algo que não começa com as redes sociais ou com a fotografia digital de partilhamento instantâneo. Talvez seja tão só, o que não é pouco, o braço experimental de nossa curiosidade infinita. Por isso diria que meu trabalho é antes de tudo bastante humano.