Luciana Magno, um corpo movente na Amazônia - Janaina Torres

São Paulo Brasil

Luciana Magno, um corpo movente na Amazônia

21 de junho de 2022 | 07:52

Em artigo para a revista Croma, Estudos Artísticos, publicação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, o artista visual, curador independente e professor-pesquisador Orlando Franco Maneschy debruça-se na produção artística da paraense Luciana Magno, (Belém do Pará, 1987), na Amazônia. A artista vem desenvolvendo há alguns anos a série Orgânicos, em que seu corpo é empreendido como elemento da natureza, buscando mimetizar-se ao espaço em que realiza suas performances, orientadas para fotografia e, por vezes, ao video. Esse trabalho vem sendo bem recebido pela crítica de arte especializada, o que a levou a ser contemplada com distintos prêmios e ser selecionada para mostras em vários cantos do país e no exterior. Selecionamos alguns trechos da análise sensível e bem fundamentada de Maneschy sobre o trabalho de Luciana Magno. Leia a íntegra do artigo aqui (pdf).

Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm

Neste artigo, destacamos alguns projetos de significativa importância para a obra de Luciana Magno, dentro do seu modo de trabalho, em que os próprios processos ocorrem como fruto do contato com as circunstâncias com as quais se depara, e com o outro com o qual se relaciona, seja para acessar determinado espaço no qual deseja atuar, seja para interagir a partir de procedimentos estabelecidos para um projeto, o que a leva a adentrar em questões da região amazônica, sejam estas naturais, sejam interferências realizadas pelo homem com os diversos planos pensados para a região e que suscitam um olhar crítico, que a artista lança de forma bastante singular.

Magno, ao percorrer a Amazônia discute o corpo em relação a paisagem, em percursos de enfrentamento e de busca de mimeses com o ambiente, e que termina por ativar relações que, por vezes, fazem situações políticas reverberarem, como por exemplo, quando adentra um ambiente em que existe madeira retirada de forma ilegal da floresta. Nesse espaço, a artista entra em contato com a natureza destruída e com pequenos pedaços de vida. Na imagem, entre toras de madeira, seu corpo repousa, enquanto um pássaro pousa sobre seus cabelos. Na produção da artista as coisas conjugam-se de maneira integrada, manifestam-se no acontecimento e propiciam a experiência despontar enquanto vivência, para materializar-se na forma de arte.

Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm

Em Orgânicos a artista passou também por diversas situações de tensão e negociação, como quando chegou perto de uma área de mineração ilegal na rodovia Transamazônica. Lá, na estrada que significou o sonho de integração do Brasil, num projeto de colonização da Amazônia, por meio da construção de uma autoestrada que pretendia atravessar essa região do país de leste a oeste, a artista encontrou miséria e desajustes sociais, e também pessoas extremamente humanas. Em meio a uma rodovia que nunca se concretizou na totalidade do projeto, e que foi tomada em parte de volta pela floresta, Luciana Magno busca imergir na experiência com o ambiente, como quando some na poeira da terra da estrada, revirada por transportes pesados que cruzam a mesma.

A série Orgânicos, que vem sendo realizada desde 2011, recebeu diversos prêmios, como: Bolsa de Pesquisa e Experimentação Artística do instituto de Artes do Pará, 2013; Prêmio Arte Pará, 2014; Prêmio Video Brasil, 2015 e recentemente foi contemplada no edital do Banco da Amazônia.

Para Marisa Mokarzel, curadora brasileira e pesquisadora de história da arte, o trabalho da série Orgânicos, que Luciana Magno vem desenvolvendo desde 2011, a leva a uma compreensão profunda sobre o ser humano:

Cabelos, pernas, troncos, algas, cipós, árvores e pedras ganham uma organicidade e passam a pertencer a único corpo que não dissocia ser humano e natureza. O antropólogo Tetsuro Watsuji em seu livro Antropologia da Paisagem, afirma que para compreender verdadeiramente aquilo que há de fundamental no ser humano é necessário percebê-lo ao mesmo tempo como indivíduo e totalidade. A existência humana é individual e social, e isso, em parte, ocorre porque a espacialidade é inseparável da temporalidade. As pessoas morrem e o entorno muda, porém dentro desse contínuo morrer e transformar, há um incessante transformar.

Neste projeto, que vem se estendendo ao longo de seis anos, a artista, por vezes, busca a delicadeza da metamorfose, em quase um processo de desaparição na paisagem. Há uma espécie de desejo de integração, de diálogo, de profunda troca física com a natureza na qual seu corpo habita naquele momento.

Em algumas fotografias e videos seu corpo está tão unificado, que parece que levamos um tempo para percebê-lo. Em certas performances o tempo é um tempo expandido, frente à velocidade da vida humana. É o tempo longo da natureza.

Ao falar sobre o projeto, a artista revela-nos:

Nosso organismo é constituído da mesma matéria orgânica que está na terra, na folha de uma árvore, na pata da formiga. Quando morremos, nosso corpo volta à terra pra ser decomposto por bactérias que vão se alimentar e gerar nutrientes pros seres vivos próximos, uma árvore, uma grama, uma minhoca… e lá na frente o ciclo se renova quando alguém come uma fruta ou um pedaço do bife do animal herbívoro que comeu aquela grama, estamos todos interligados.

Há uma poesia do fluxo da vida e da morte, do caos e do equilíbrio presente nesses trabalhos tão delicados e pungentes ao mesmo tempo.

A série Orgânicos, que vem sendo realizada desde 2011, recebeu diversos prêmios, como: Bolsa de Pesquisa e Experimentação Artística do instituto de Artes do Pará, 2013; Prêmio Arte Pará, 2014; Prêmio Video Brasil, 2015 e recentemente foi contemplada no edital do Banco da Amazônia. Sobre os processos da artista, Marisa Mokarzel reitera:

Ao despir-se e despojar-se de todos os artifícios para vivenciar a relação corpo e paisagem, Luciana Magno utiliza o corpo, ele mesmo, como elemento da natureza. Destece fronteiras, integra-se a um todo modificado pelo tempo, ocupa um espaço que, delimitado pela ação, torna-se lugar.

Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm Luciana Magno, Sem-Título (série Orgânicos), 2014, Pigmento sobre papel de algodão 80x120cm
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