Em diversas séries de trabalhos, Helena Martins-Costa intervém em imagens anônimas perdidas no mundo. A artista recolhe material em espólios, feiras e sebos – imagens rejeitadas, colhidas em um não-lugar, que não recordam ninguém. Em um processo de arqueologia fotográfica, a artista resgata os registros rejeitados, promovendo recortes e identificando semelhanças e tipologias nem sempre explícitas. Traz para a superfície, assim, relações imprevistas e fascinantes em um material de origens culturais e geográficas muito diversas, articulando simultaneamente verdade e mentira, imprevisibilidade e construção, documento e monumento.
É o que acontece na série Desvio, em que Helena reúne fotografias amadoras e esquecidas que ostentam um pecado original: o erro de perspectiva, que desmonta a imobilidade a que toda foto se pretende como registro e a centralidade da figura humana nos sistemas de representação. Colocadas lado a lado, as imagens ganham movimento e significados que vão além do registro íntimo e pessoal.
Agraciada com a bolsa ZUM/IMS em 2014, para realização de Desvio, incorporada ao acervo do Instituto Moreira Salles, Helena tem agora o trabalho exibido no Pivô, em São Paulo, na mostra coletiva ‘Entre nós: dez anos de Bolsa ZUM/IMS’, em comemoração aos 10 anos da bolsa. A curadoria é de Thyago Nogueira, coordenador da área de fotografia contemporânea do IMS, Daniele Queiroz, curadora-assistente do IMS, e Angelo Manjabosco, pesquisador do IMS.
Sobre Desvio, escreveu Angelo Manjabosco:
As convenções da fotografia, e não propriamente os personagens retratados, foram o impulso decisivo para a criação desta série de Helena Martins-Costa, que é também professora e pesquisadora. A artista passou incontáveis horas em acervos, feiras e mercados de antiguidades em busca de um erro. Essa falha faz com que as linhas que nos guiam pela imagem corram em aparente desequilíbrio. A figura permanece e até sorri, embora todo o resto sugira uma queda inevitável. Também são incontáveis as horas que Martins-Costa tomou para analisar cada imagem, revelar as sutilezas, testar desequilíbrios e escala.
Se alguns artistas se notabilizaram por incorporar o erro em seus trabalhos, Martins-Costa o toma como ponto de partida, e nele vê potencial para uma série de reviravoltas. Aqui há espaço para questionar o que sentimos quando as regras implícitas não são seguidas e como nosso próprio corpo responde a uma imagem que indica desordem.
A artista faz um convite para se deixar levar pelo estranhamento, pela vertigem e suas consequências. A quebra de uma estrutura que orienta o espectador pode ser o começo da queda de outras convenções, caminho torto, mas necessário, para se entender a natureza traiçoeira da imagem fotográfica.
Exposição ‘Entre nós: dez anos de Bolsa ZUM/IMS’
1/4 a 30/7/2023
Abertura 1/4 a partir das 13h
Entrada gratuita
Pivô – Edifício Copan, loja 54 | Av. Ipiranga, 200 – São Paulo/SP