Hélio Oiticica queria que a obra de arte nascesse “apenas de um toque na matéria”, a partir de um sopro que a transforma em expressão: “um sopro interior, de plenitude cósmica”.
A plenos pulmões se manifesta a produção recente de Ricardo Siri, artista carioca que inaugura a individual Organismo, dia 19 de março, na Janaina Torres Galeria, em São Paulo.
Matéria e expressão ganham, com a mostra, uma plenitude inaudita no trabalho do artista. Nas obras de Organismo – esculturas, assemblages e um “ninho habitável”, feito de galhos de árvore, barro e som -, ecoam os gestos e registros do viver e do fazer artístico de Siri, em consonância e tensão com o momento da arte e do mundo atual.
Veja: obras de Organismo
Veja: página do artista
Siri sintetiza, em Organismo, uma trajetória singular na arte contemporânea brasileira. Artista sonoro e visual, cujo trabalho transita entre a escultura, performance, instalação, fotografia e vídeo, sua produção estética incorpora uma atuação premiada no universo musical, com cinco CDs lançados e trabalhos com nomes como Sivuca, Hermeto Pascoal e Roberto Menescal.
A partir do habitat, uma casa/ateliê em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, Siri se depara com o seu ambiente: folhagens, instrumentos, galinhas, abelhas, barro, ruídos, pássaros, o depósito, o jardim.
Percebe à sua volta, para além da matéria, a conexão “cósmica” com o universo e a urgência do agora; e produz obras como War, uma colmeia/tela na qual a solda do artista molda um mapa-múndi em cera queimada, criando um alerta de pertinência reveladora.
Já em Música Concreta, duas metades de um trompete são unidas, ou separadas, por um bloco de concreto. Em Música Barroca, é o barro que une/divide o instrumento musical. Em ambos os casos, o fluxo sonoro interrompido pela matéria gera outro, imaterial.
Em Colmeia, aglutina trompetes e trompas, que executam uma sinfonia a partir do silêncio e produzem timbres imaginados, que pairam no ar. O mesmo efeito, em que ultrapassa a fronteira do plástico e do sonoro, Siri obtém em Casulo 2, obra feita a partir da junção de uma concha do mar (da qual, como os polinésios, extrai sonoridade em suas performances) e a extremidade de um trompete.
Siri confere, assim, voz e potência a materiais como barro, conchas ou a cera de abelhas que, não por acaso, são registros da fratura, se não do colapso, do modelo insustentável de desenvolvimento atual.
Organismo apresenta um todo, composto de paradoxos e opostos comunicantes: som e silêncio; lar e universo; matéria e manifesto; cultura e natureza; aconchego e desconforto; o eu e o outro. Elementos e experiências que, certamente, encontram-se diante do impasse e da imobilidade contemporâneos, que o toque de Siri transforma em expressividade radical.
Sobre Ricardo Siri
Nasceu em 1974, no Rio de Janeiro (RJ), onde vive e trabalha. Percussionista por formação, graduou-se pela Los Angeles Music Academy, nos Estados Unidos, e aprofundou seus estudos de percussão indiana e africana na Sangeet World Music School (Pasadena/CA). Em 2011, é convidado pelo Comitê Olímpico de Londres para residir e produzir trabalhos no projeto Olímpico – Rio London Ocupation no Battersea Art Center, em Londres. Em 2013, foi convidado para a residência artística na Cité International des Arts, em Paris (França).
Realizou as individuais “Interfaces” (Galeria Portas Vilaseca, Rj 2019), “Habitáveis” (Centro Municipal Helio Oiticica, RJ, 2017), “Escalas Variáveis” (Galeria Mezanino, 2016), “Oroboro” (Espaço Movimento Contemporâneo Brasileiro, RJ) e “Distorções”, (Galeria Amarelo Negro, 2010). Entre as coletivas, destacam-se “Canção Enigmática” (MAM, RJ, 2019), “Monument in miniatura” (Nova York, 2018), “Das Virgens em Cardumes e da Cor das Auras” (Museu Bispo do Rosário, RJ, 2016; ); “Je Ma pele Siri” (Casa França Brasil, RJ, 2014); “Paisagem Sonora” (Casa Daros, RJ, 2014); “Liana Ampliathum” (Parque Lage, RJ, 2014); “Blank Page” (Victoria and Albert Museum, Londres, 2012). Realizou performances sonoras na “Nuit de la Philosophie” (UNESCO, Paris, 2018); Portikus (Frankfurt, 2013), NBK-Gallery (Berlim, 2013) e Museu Marino Marini (Florença, Itália, 2013), entre outras.