Por Ricardo Resende *
Para Walter Smetak, executar música é uma forma de loucura. **
Siri, apelido da época do colégio, músico que sempre estudou música, vive a música desde sempre. Trabalhou com música desde quando, ainda criança, tocava e tirava sons de latas. Qualquer uma que caísse em suas mãos se transformava em algo possível de extrair som.
A sua inteligência de inventar paisagens sonoras vem daí, dessa ludicidade de criança em criar com tudo que lhe despertasse a curiosidade provocada por qualquer som ou ritmo: a pronúncia das palavras, os sons emitidos pelos homens, pelos animais e dos elementos naturais do mundo, como a água e o vento no farfalhar das folhas das árvores e do mato.
A música virou o seu brinquedo de fazer a arte dos sons. Sons que podem vir de um pote vertendo água.
Siri não encontrou o seu lugar na música contemporânea, sequer na experimental: na verdade o teto é baixo para ele, pois se propôs a ir além dos limites da compreensão da chamada harmonia “tradicional” e da música “convencional”.
Se não encontrou seu lugar nesse segmento, seu abrigo se deu nas artes visuais com a liberdade de trabalhar as texturas musicais, a forma musical, a abstração e a “surrealidade” produzida pelos sons e ruídos combinados.
Com os instrumentos, livra-os de suas mortes prematuras ao deixarem de ser tocados. São desmontados e transformados em outra coisa.
Os primeiros trabalhos eram performances musicais, depois instalações e ambientes sonoros. Vieram as peças escultóricas com som, depois foi a vez dos “beijos” sem som. Peças coladas feitas de instrumentos novos, velhos ou em desuso, que ganham sobrevida.
Agora as esculturas são feitas de “pedaços” de música. Siri trabalha com partes dos teclados de pianos e com suas cordas. Cria objetos com os fragmentos dos instrumentos musicais como se fossem cocares indígenas.
Siri lhes dá vida longa, proporcionando-lhes sobrevida ao transformá-los em objetos escultóricos, só comparáveis àqueles criados pelo mestre Smetak no ambiente musical de Salvador no período dos anos quarenta, cinquenta e sessenta. Para quem criar, compor e executar música, a linguagem artística mais abstrata de todas, pois não é palpável nem visível, é ouvida e sentida fisicamente nas suas vibrações, é uma forma de loucura.
Acrescentaria ainda a essa forma de loucura o incontrolável. Tudo aquilo que penetra o corpo humano e emana dele, a música, sem a possibilidade de impedimento. A mais completa das artes, pois não existe quem não seja tocado pela música. Mesmo não ouvindo, sentimos suas vibrações penetrando nossos corpos. É o que faz a loucura: criarmos os sons e escutá-los.
* Ricardo Resende, Curador
** Walter Smetak, músico, pesquisador e professor, nasceu na Suíça em 1913 e viveu no Brasil fugido das guerras desde 1937. Foi professor na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. Morreu em 1984, em Salvador.
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