A super-visão de Sandra Mazzini, por Sergio Romagnolo - Janaina Torres

São Paulo Brasil

A super-visão de Sandra Mazzini, por Sergio Romagnolo

17 de outubro de 2017 | 13:50
Sandra Mazzini, Ora pro nóbis, 2017, Óleo sobre tela, 50x50cm Sandra Mazzini, Ora pro nóbis, 2017, Óleo sobre tela, 50x50cm

Muito já se falou sobre a pintura como cópia do visível, e como em poucos períodos utópicos de sua história, se considerar-se a história da pintura apenas 500 anos de alguns poucos países do sudoeste da Europa e 50 anos da América do Norte, tentou-se achar um lugar autônomo para a sua existência. Uma pintura que não representasse nada visível, que existisse quase como um objeto, como um monólito, sem ter a função de representar ou significar.

Essa obra autônoma emergiu durante poucos momentos, mas momentos cruciais, como o Suprematismo russo, como o primeiro ready-made de Duchamp em 1913, como nos textos de Clement Greenberg nos anos 50,  como o minimalismo norte americano nos anos 70, como o Concretismo paulista, mas esses momentos sempre foram interrompidos, muitas vezes, pelos próprios artistas que os criaram, para voltar a fazer uma pintura retiniana e alegórica, com mais força na visualidade e mais sutilezas nos significados.

Agora depois do fim da fotografia química, depois da arte moderna, agora com a digitalização dos processos de captação das imagens, existe um lugar, novamente, para uma pintura que representa o que se vē, mas, mais do que isso, representa uma visão ampliada, uma super-visão, que utiliza ferramentas digitais e computacionais, para poder ver mais e melhor.

Sandra Mazzini, Sem título, 2017, Ole sobre tela, 150 x 180 cm Sandra Mazzini, Sem título, 2017, Ole sobre tela, 150 x 180 cm

Nesse contexto está a pintura de Sandra Mazzini, as imagens que são utilizadas, são processadas e reprocessadas digitalmente, são retrabalhadas manualmente de modo a exigir um olhar ativo, um olhar construído. Estas pinturas obrigam o observador a produzir e reconstruir as imagens propostas pela telas. As pinturas exigem um olhar que elabore as imagens, um olhar que se sobreponha à tela como mais uma camada. As manchas coloridas, em alguns momentos, quase abstratas, se juntam e formam paisagens complexas, com camadas de filtros coloridos.

Olhar essas pinturas é um exercício de busca de estrutura da imagem, como se fosse possível olhar através delas, como se os olhos pudessem enxergar além. As pinturas de Sandra ativam a visão, fazem o observador se aproximar da tela, ver as bordas e depois se afastar novamente na tentativa de ver mais longe.

Mas a operação desse olhar latejante se transforma em frustração, porque percebe-se que o olhar é fraco e limitado, que ele envelhece, que ele precisa de óculos, que ele tem miopia, presbiopia, que ele é falho. O que resta é a impressão de que  durante o momento em que se olha para a pintura se vive a ilusão de ter superpoderes, de estar vivo e forte.

Sandra Mazzini, Como os rios correm para o mar, 2017, Óleo sobre tela, 190 x 260 cm Sandra Mazzini, Como os rios correm para o mar, 2017, Óleo sobre tela, 190 x 260 cm

As imagens tem representado plantas, como jardins ou bosques urbanos, mais folhagens do que flores, mais folhagens do que troncos, pedras ou grandes árvores, sem céus e nuvens, sem sol, sem vento. Os numerosos tons de verde se entrelaçam como uma cortina transparente. Sua pintura já passou por algumas fases, as listras geométricas abstratas, as meninas nadadoras, agora as folhagens, o que parece configurar um mundo contemplativo, introspectivo, caseiro e silencioso.

As pinturas com listras eram uma construção em busca da pele da pintura, de sua opacidade, como falava Clement Greemberg, eliminando o modelo de pintura como janela de vidro, eram uma tentativa de mostrar que a pintura não é pintura, é escultura. O que conta é seu peso, seu volume, seu brilho ou opacidade, sua proporção.

As meninas nadadoras, pareciam estar num filme, num romance, Sandra, como fizeram tantos outros artistas, retoma a alegoria e a ilusão. As meninas estão em silêncio, mesmo quando estão em grupo parecem sós, não parecem respirar mesmo fora da água.

Suas pinturas são analíticas, pensam a própria pintura, a imagem e o olhar, são autorreferentes, se referem à história da arte e se colocam diante dela, são fruto de uma artista perplexa diante do mundo.

Sergio Romagnolo é professor e artista plástico brasileiro

Mais sobre Sandra Mazzini:

Nascida em 1990, Sandra Mazzini é formada em Artes Visuais pela UNESP. Já participou de exposições coletivas como Um Desassossego, na Galeria Estação, e o Quarto Salão de Ribeirão Preto, no Museu de Arte de Ribeirão Preto. Atualmente, trabalha e vive em São Paulo.

Como os rios correm para o mar, na Janaina Torres Galeria

A exuberância da pintura de Sandra Mazzini, jovem destaque na pintura brasileira, ocupa as paredes da Janaina Torres Galeria, na exposição Como os rios correm para o mar,  entre 21 de outubro e 16 de dezembro. A exposição integra a programação do Art Weekend, nos dias 11 e 12 de novembro. O evento conta com a participação de uma série de galerias, que estendem o seu horário de funcionamento no fim de semana, apresentando ao público aberturas, coquetéis e visitas guiadas. A artista participa ainda da Feira PARTE, que acontece no Clube Hebraica, de 8 a 12 de novembro.

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