Por Cauê Alves *
Na tradição da arte, trabalhos tridimensionais, mesmo quando representam em seu interior luzes e sombras, necessitam de iluminação para serem vistos. Dan Flavin, Olafur Eliasson, James Turrell, entre outros, são exceções que invertem essa lógica.A obra de Daniel Nogueira também está entre as que emitem luz. Toda a experiência visual e os sentidos delas dependem das lâmpadas contidas no trabalho.
Na série “Linha e Geometria” a luz exala da tubulação de cobre feita originalmente para transportar gás e água, e adquire um aspecto fluído. Como os fios e a instalação elétrica não estão aparentes, a continuidade do circuito fica evidenciada. Tudo se passa como se a lâmpada fria formada por gazes, estivesse em todo o interior do cano de padrão industrial e não apenas na parte interrompida.
Como os líquidos, a luz dificilmente pode ser contida num recipiente vazado e possui sempre uma forma provisória. Ela não escorre entre nossos dedos, mas reflete o suficiente para contornar obstáculos, chegando a dissolver espaços e até as sólidas estruturas sociais.
A luz não possui uma forma estática e definida, mas está sempre pronta para reconfigurar e transformar o seu entorno. As tubulações nascem de dentro da construção arquitetônica e em vez de serem embutidas saltam da parede e jorram cores.
O artista não pinta a lâmpada, é ela que pinta o espaço com diferentes temperaturas de cor que vazam para além de sua presença material.
Daniel Nogueira expõe também trabalhos que podem ser situados entre a maquete e a instalação, ou talvez entre a arquitetura e a escultura. São lugares de encontro, de descanso e convivência.
O público pode se sentar em bancos ergonômicos dispostos em formas abertas e acoplados em estruturas verticais. O trabalho possui uma escala compatível com a de um projeto, mas são maiores que uma maquete.
As peças de madeira possuem pequeninos prédios integrados ao espaço de convivência. Mas o mais importante neles é o playground, a situação particular e descontraída que se dá no piso térreo que não é encoberto pela sombra do prédio, ao contrário, é ele que emite as luzes que rebatem na parede.
Muito da construção desses trabalhos se dá pela imaterialidade da cor-luz. E especialmente as luzes que surgem debaixo do banco dão um aspecto artificial, uma atmosfera onírica ao ambiente.
Entre as suas referências estão obras dos anos de 1950 de Luiz Sacilotto e Waldemar Cordeiro. O procedimento do artista é o de análise e separação de planos de uma pintura concretista em camadas translúcidas. É uma tentativa de transpor para o espaço efetivo algo da virtualidade da utopia construtiva.
O resultado é uma sobreposição de plásticos pintados com luzes ao fundo que atravessam os planos e transbordam do objeto. Elas preenchem vazios, elemento central na estrutura da composição.
Um pouco do otimismo do período desenvolvimentista reaparece aqui na aposta por uma convivência pacífica e talvez refletindo o bom desempenho econômico do país na última década.
Entretanto, o artista também parte de imagens atuais de prédios desgastados que talvez revelem de modo mais direto o vazio do espaço público e a impossibilidade de realização completa da utopia construtiva.
O trabalho, em vez de ter pretensões de rivalizar com as gigantes dimensões da cidade, contém espaços para um grupo relativamente pequeno ou uma comunidade de cidadãos que talvez tenham afinidades.
O que de fato parece mais viável do que a efetiva construção de um espaço público e do sonho moderno e civilizatório de um país desenvolvido.
Explorando a cor como elemento estruturante, a obra de Daniel Nogueira revela como a sua luminosidade própria pode criar e dissolver sonhos e utopias.
Mais sobre Daniel Nogueira de Lima
Página do artista (Janaina Torres Galeria)
Daniel Nogueira de Lima – site oficial
* Texto escrito para o folder da exposição “Objeto Processo”, na galeria Jaqueline Martins (2012)