Há um certo paradoxo na busca de asceticismo e elevação metafísica que, historicamente, acompanha o abstracionismo geométrico na arte: quanto mais pura é a busca da forma, mais se delineiam os paralelos com os sistemas sociais e os paradigmas para reforma e instauração de novas realidades.
Uma abordagem pertinente, a esse respeito, vem da curadora Christiane Laclau, a despeito da coletiva Geométricas: Perspectivas Femininas, que reúne trabalhos produzidos por mulheres dentro — ou a partir — da corrente estética do abstracionismo geométrico, e que inclui trabalhos de Marina Caverzan.
Laclau celebra, na mostra, visões dessa corrente desenvolvidas por mulheres, em um campo, como nota a curadora, “historicamente dominado por homens”, e suas consequências desses trabalhos em um momento determinado: o nosso século, quando estamos defronte “da luta pela equidade de gênero, que vem alcançando, cada vez mais, mudanças na sociedade e na arte”.
A curadoria da mostra, com foco na produção feminina, confronta a tradição e hegemonia masculina no abstracionismo geométrico, a partir de provocações estéticas, éticas e filosóficas apresentadas pelas artistas.
No texto curatorial da exposição, Laclau nos fala nos paralelos entre filosofia, matemática e geometria na formação do conceito de uma certa “racionalidade geométrica”, que permeou o pensamento ocidental.
“No pórtico de entrada da Academia de Atenas, lia-se: “Não entre quem não for geômetra”. Platão consolidou o entrelaçamento entre o pensamento filosófico e a racionalidade matemática expressa pela geometria, conhecimento levado do Egito à Grécia por Pitágoras e por Tales de Mileto. Para Heródoto, a geometria tem uma função prática, já no entender de Aristóteles, ela é puramente teórica. O platônico Euclides, “pai da geometria”, considerava o espaço como imutável, simétrico e geométrico. Este pensamento se manteve inalterado durante a Idade Média e o Renascimento. Somente na modernidade os modelos geométricos não-euclidianos foram propostos por Carl Friedrich Gauss e Bernhard Riemann. A perspectiva masculina predominou por séculos na racionalidade geométrica ocidental”.
A partir dessa breve genealogia filosófica da imagem geométrica, Laclau situa a curadoria da mostra, com foco na produção feminina: trata-se de confrontar a tradição e hegemonia masculina no abstracionismo geométrico, a partir de provocações estéticas, éticas e filosóficas apresentadas pelas artistas.
No Caso de Marina Caverzan, a racionalidade seria confrontada — ou ampliada — nos campos do vazio, do etéreo e do esoterismo, a partir de uma forte carga simbólica. Como escreve Laclau:
“A expressão pictórica igualmente constitui as obras de Marina Carvezan. O simbolismo, expresso na recorrência da utilização de linhas e de formas geométricas simples, trafega no limite entre o abstrato e o etéreo. As questões ligadas a sua investigação estão implícitas no conceito de épura, da geometria descritiva: a transposição de sólidos para a dimensão plana. As linhas em seus quadros derivam da composição do diamante bruto e dos cortes feitos nele para transformação do mineral em brilhante. Seus Diamantes são decomposições – de cor, claridade, corte e quilate – em imagens que projetam a potência latente presente no mineral original. Já em sua série de pinturas esotéricas, a artista utiliza cores alquímicas – nigredo, albedo e rubedo – para a representação do oculto: uma dimensão invisível aos olhos”.
Leia íntegra do texto curatorial de Geométricas: Perspectivas Femininas aqui.