A geometria transcendental de Marina Caverzan - Janaina Torres

São Paulo Brasil

A geometria transcendental de Marina Caverzan

19 de junho de 2022 | 08:28
Marina Caverzan, Mariposas de Obsidiana, 40x30, 2021 Marina Caverzan, Mariposas de Obsidiana, 40×30, 2021

Alice Buratto

Marina Caverzan, artista do interior de São Paulo com residência na capital, desenvolve como linguagem principal o desenho. Trabalha com diferentes materiais e superfícies, como o cimento, o vidro, o carvão, o grafite e o corriqueiro papel. Explora em sua obra as múltiplas materialidades e sua percepção através da luz, contrastando assim, diferentes texturas e matérias, as quais se completam na totalidade do trabalho.

Ao nos depararmos com a obra da artista, em um primeiro olhar, a relacionamos ao construtivismo. O seu desenho, ou até mesmo um objeto que toma outros planos espaciais, é caracterizado pela prevalência de formas geométricas recorrentes, principalmente os triângulos e os círculos, as quais são fragmentadas e interligadas pela linha.

Mesmo em um plano bidimensional, a obra de Marina salta para tridimensionalidade, reunindo um conjunto de perspectivas e faces multifacetadas em sua busca da compreensão de uma arquitetura sagrada. Assim em um segundo momento, podemos relacionar a obra da artista ao cubismo, por ser caracterizada pela geometria consequente da dissecação de múltiplos planos e perspectivas de uma arquitetura e suas possibilidades de multiplicação através da incidência da luz, sintetizada simultaneamente e na maioria das vezes na bidimensionalidade do papel.

Em seu estudo constante sobre o sagrado, seus respectivos signos e constructos em diferentes sociedades e épocas, a artista foca sua pesquisa à recorrência dos rituais, à presença da astronomia em diversas culturas e principalmente a cerca da constante construção de lugares sagrados, sejam eles voltados à realização de ritos, à morada de uma figura sacra ou destinados aos mortos. O fenômeno arquitetônico é uma manifestação cultural. O ambiente construído, a arquitetura, é a expressão de uma estrutura social de uma sociedade específica. De acordo com RAPAPORT (1984; 33), “Em todas as situações tradicionais e particularmente naquelas que estão nas origens da arquitetura, os esquemas de ordenação são frequentemente baseados no sagrado (…)”. Com vistas à perenidade, desde os primórdios dos tempos, podendo citar o exemplo Stonehenge, à antiguidade e até mesmo à Idade Moderna (tempos em que o sagrado ainda é central), destinava-se os maiores esforços às construções religiosas, as quais representavam a preservação da cultura, a permanência de suas tradições e crenças, ao longo das gerações. Sendo assim, a construção sagrada ocupou o papel representativo na arquitetura ao longo da história, sendo que através dessas construções, as formas religiosas predominantes do momento demonstravam seu poder.

Neste contexto, a luz natural aparece como elemento fundamental da simbologia arquitetônica sagrada. De modo geral, na simbologia sacra, a luz é normalmente relacionada à criação, à vida e ao sagrado. Sendo assim, a iluminação em uma arquitetura religiosa, não apenas cumpre uma função técnica, mas também é essencialmente uma função espiritual.

Desde a antiguidade à igreja católica Romântica, Gótica e Barroca, os arquitetos controlam e manipulam a luz natural que é incendida no interior dos templos para criarem diferentes planos de reflexões e perspectivas que realcem qualidades intrínsecas ao sagrado representadas em um leque de perspectivas dada a partir da dualidade Luz | Sombra na concretização dos elementos arquitetônicos dos templos. Para isso, são explorados diferentes elementos, como janelas, cúpulas, quantidade de paredes e pilastras, altura e dimensão do templo, tamanho e tipo de abertura, se a luz é direta ou se transpassa por alguma superfície, entre outras possibilidades.

A luz determina a nossa percepção da arquitetura, permite-nos apreciar as diversas qualidades do espaço: a forma, a textura e a cor. São justamente essas possibilidades e qualidades que percebemos como fundamentais para os desdobramentos das obras de Marina Caverzan. A artista explora o volume arquitetônico, a presença ilusória e material da luz, as diagonais e infinitos planos criados pela mesma, perspectivas e texturas; embrenhados todos na dimensão do sagrado, no limiar entre sacro e profano, interior e exterior, público e secreto.

Contudo, cabe-nos ressaltar que os nossos entendimentos dos signos e do mundo a nossa volta dependem da estrutura social em que estamos inseridos, nem todos os signos serão interpretados da mesma forma em diferentes sociedades. Nas palavras do historiador e romancista BERNJER (1999; 10), “a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos”.

Assim, mesmo que carregada de intensa simbologia, a obra de Marina concebe-se na exploração da materialidade, nas relações entres planos, perspectivas e dimensões, em um modo construtivo influenciado pela arquitetura e inspirado pelas relações do sagrado, as quais é compreendida pela artista e multifacetada em suas obras.

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