Polígonos são figuras geométricas planas e fechadas, formadas por segmentos de reta, presentes em suas diferentes manifestações na seleção de obras que compõem a mostra Polígonos, Pórticos, Matéria e Desejo, em exibição na Janaina Torres Galeria, e que não são necessariamente os únicos pontos de interlocução entre os trabalhos. Além da forma, o que envolve as operações que constroem as obras apresentadas por Carolina Martinez, Mano Penalva, Heleno Bernardi, Marina Caverzan, Julia da Mota e Renato Rios não parte apenas de um campo analítico no emprego da geometria.
O desejo, a ressignificação e a recontextualização de formas e materiais, que se reconstroem a partir do deslocamento, do gesto obsessivo e da palavra, permeados pelo mistério matemático e ao mesmo tempo erótico, nos remetem à história da arte brasileira e latino-americana. Ao empregar a geometria dentro do pensamento construtivista, como o curador e crítico de arte brasileiro Frederico Morais afirma, existe uma contribuição latino-americana à arte construtiva internacional, de maneira peculiar “[…] não apenas o caráter orgânico, vitalista, sensível e ‘caliente’ de nossa produção construtiva, e das antecipações minimalistas, cinéticas e plurissensoriais, mas também à introdução de símbolos e vinculação com as nossas raízes. […].”
Essas raízes são as tramas de palha das cestarias, o ziguezague de linhas que os Karipuna empregam ao falar dos dentes de um jacaré, são os signos que estruturam a simbologia da religiosidade afro-brasileira, os blocos de cor da Whipala, as linhas de Nazca, são os adornos e padrões de povos originários empregados por aprendizes nas igrejas barrocas como resistência aos colonizadores espanhóis.
A geometria como intuição e observação de campos arquitetônicos e seus vazios e ângulos; como estudo kármico, espiritual e astronômico; como elemento impregnado em padrões e tramas de materiais feitos pelas mãos humanas ou em linhas de produção e seus estudos simbólicos e na grafia do alfabeto e da palavra afogada na sua própria repetição são meios de comunicação entre uma produção recente com uma trajetória e identidade de uma prática revisitada, estabelecendo diálogos com a produção construtiva latino-americana não apenas pela utilização da forma, mas também pela nova significação do campo formal, que já existe enquanto filosofia, astronomia e fenômeno, antes de instaurar-se como arte.
Percebemos viva em nossa arte atual, já que estamos falando de pesquisas iniciadas em sua maioria na década passada, que processos que envolvem a reorganização (ou tentativa) do caos, dada a nossa colonização (violenta e confusa), continuam latentes em nosso tempo presente (violento e confuso) e em uma sociedade, que já assinalado por Morais, “onde tudo está por fazer e construir”, a arte adquire um sentido de organização do real, de transformação e construção de uma nova sociedade.