Pergunta: Sua arte é um convite à interação: na sonoridade das esculturas, na experiência das suas instalações e performances, na simbiose entre arte e vida, na ruptura limite institucional. Como vê o papel do espectador diante do seu trabalho?
Ricardo Siri: Tento criar intervenções inusitadas, quase absurdas, mas de fácil compreensão. Sinto que o espectador reconhece a história que conto e com isso se identifica quase de imediato. Esse é o ponto de partida. Um tema, um título simples, um fusca, um ninho, samba, batucada, gestação… A obra criada, ganha corpo, pensamento e vida própria, em constante reencarnação. Pronta para ir ao encontro do espectador. O que move o espectador ao seu encontro? A necessidade de uma nova experiência. Mas para submergir nessa experiência, ele tem que ter algum ponto onde se relacione com a obra. Um ponto incomum, um acorde, uma célula, um disparo. Do outro lado, a obra deve incluir o seu espectador. Não como um embate entre dois pensamentos, mas como elemento de complementação. Uma unidade simples deve ser descoberta entre eles e somente por eles. Essa afinidade os tornam cúmplices. Esvaziam- se sentidos para transformá-los em algo novo, surpreendente e único.
Há uma urgência expressiva marcante no seu trabalho. Como se sua obra falasse para o minuto presente. O que o “agora” significa pra você?
Acredito que cada artista tem o seu tempo. Depende de onde nos encontramos, onde trabalhamos, que material usamos e de sua forma e dimensões. O tempo está relacionado com a experiência da arte. Estive desde pequeno próximo à natureza. Horas em observação, esperando um pássaro pousar ou dias esperando ele construir seu ninho e atrair seu parceiro. Observando as minhas plantações, as sementes crescendo, frutificando e sendo colhidas e ingeridas. Ou as abelhas, pousando de flor em flor, produzindo mel e cera. Cada abelha poliniza em vida cerca de 1000 flores por dia e vive em média somente 40 dias. O ciclo do tempo entre dias e noites, primavera/verão . São tempos alinhados e praticamente imutáveis. Após a revolução industrial, ganhamos tempo como expectativa de vida, mas perdemos pela sensação subjetiva do tempo. Com a chegada da revolução digital, essa sensação subjetiva do tempo se torna ainda mais sufocante. Somos dominados pela pressa. Daí minha necessidade de retomar a essência, moldar o tempo com minhas experiências artísticas em minha casa/ateliê no bucólico bairro de Santa Teresa, no Rio de janeiro e produzi-las pensando só naquele exato momento. E, se em algum instante, nem que seja por um fio de tempo, não penso, aí acredito que cheguei a algum lugar: um lugar sem qualquer sinal de passagem do tempo, mas com a simples sensação de existir. Esse lugar a que me refiro, seria um lugar sem tempo/espaço, um lugar pleno, utópico, um lugar de transe onde o artista reside.
O artista visual Ricardo Siri é concreto, rigoroso – as formas significam, ainda que na subversão. O artista sonoro Ricardo Siri é abstrato, improvisado, não estrutural. Trata-se do mesmo artista? Como conseguir harmonia no trabalho visto em conjunto?
Sempre fui autodidata e intuitivo até começar a estudar percussão. Foi amor à primeira vista e me tornei um virtuose no instrumento. Me atirei em estudos de novas culturas a partir dos tambores. Eles retribuíram, me levando a conhecer o mundo nos shows em que participei. Me tornei mais rigoroso com os estudos quando me formei em bateria na Los Angeles Music School. Tudo que aprendi até o momento teria que ser revisto e ser eu mesmo. Fui engolido pelas artes visuais. Nunca mais fui o mesmo quando percebi que não existia regras para compor. Meus instrumentos também eram agora as ferramentas: martelos, lixadeiras, soldas e serras da minha oficina, tudo ao mesmo tempo. Não sei se tenho ateliê, oficina ou estúdio, tenho os três; às vezes me confundo no que faço, nessa hora vou cuidar do jardim e das minhas abelhas e galinhas. Às vezes acho que só compus uma música, todas são continuações ou auto plágios. Sigo criando e aprendendo. Não sei quem sou.